CARTA ABERTA DE SÃO PAULO
Nós, Congressistas reunidos no 67º Congresso Estadual de Municípios, realizado no Mercado Livre Arena Pacaembu, em São Paulo, entre os dias 26 e 28 de agosto de 2025, na presença de prefeitos e prefeitas, vereadores e vereadoras, secretários e secretárias municipais, gestores técnicos, parlamentares estaduais e federais, ministros de Estado e seus representantes, membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, representantes dos Tribunais de Contas, de entidades da sociedade civil e da comunidade acadêmica, deliberamos pela aprovação da presente Carta de São Paulo.
Este documento representa a expressão legítima da vontade política e institucional dos Municípios paulistas e resulta de amplo debate democrático sobre os rumos do municipalismo no Brasil.
A Carta consolida as pautas estruturantes que orientam a ação administrativa e política das cidades, com fundamento na Constituição da República Federativa do Brasil, na preservação do pacto federativo e na defesa intransigente da autonomia municipal.
Reunimos aqui as deliberações amadurecidas ao longo das sessões plenárias e dos painéis temáticos que marcaram este Congresso, com o propósito de oferecer às mais altas autoridades do Estado e da União um diagnóstico preciso dos desafios enfrentados pelas administrações municipais e, sobretudo, as propostas de soluções capazes de promover justiça fiscal, desenvolvimento sustentável e maior equilíbrio federativo.
O texto ora aprovado traduz a convicção de que os Municípios, enquanto entes federativos autônomos e responsáveis diretos pela execução de grande parte das políticas públicas, devem ser fortalecidos institucional, financeira e politicamente. Essa é condição indispensável para que o Estado de São Paulo e o Brasil possam superar os obstáculos econômicos e sociais que hoje atingem, de maneira concreta, a vida dos mais de 45 milhões de cidadãos paulistas.
Dessa forma, a presente Carta apresenta, a seguir, os temas centrais debatidos e aprovados por este Congresso, organizados de maneira a refletir não apenas a urgência das demandas municipais, mas também a responsabilidade histórica dos gestores públicos em construir soluções sólidas e duradouras para o fortalecimento da Federação e para a melhoria da vida de cada cidadão paulista.
II – CONTEXTO FISCAL E FEDERATIVO
O quadro fiscal vivenciado pelas administrações municipais é de extrema preocupação e alcançou patamares inéditos. Dados oficiais de 2024 revelam que 54% das prefeituras encerraram o exercício em situação deficitária, acumulando um saldo negativo de R$ 33 bilhões, o mais grave resultado da história recente.
A perspectiva de alteração nas regras do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), com potencial de retirar aproximadamente R$ 5 bilhões anuais das receitas locais, adiciona um elemento de maior instabilidade e ameaça direta à sustentabilidade das contas públicas municipais. Soma-se a esse cenário a defasagem crônica dos programas federais e estaduais, que há anos impõem novas atribuições às prefeituras sem a correspondente contrapartida financeira.
Tal realidade traduz o desequilíbrio do pacto federativo e reforça, de modo incontestável, a urgência de reformas estruturais que restabeleçam justiça na repartição de receitas e assegurem aos Municípios condições efetivas de preservar sua autonomia, planejar com responsabilidade e cumprir sua função constitucional de garantir serviços públicos essenciais à população.
III – EIXOS CENTRAIS DA AGENDA MUNICIPALISTA:
III.1 – REFORMA TRIBUTÁRIA:
A Reforma Tributária constitui o eixo central desta Carta e a pauta mais sensível para o futuro dos Municípios.
A substituição do Imposto Sobre Serviços (ISS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), no contexto da criação de um sistema tributário mais simples e unificado, exige que os Municípios tenham participação efetiva e qualificada na sua governança.
Para tanto, é indispensável assegurar assento garantido e direito a voto paritário no Comitê Gestor do IBS, de modo a evitar a concentração decisória nas mãos da União e dos Estados.
A ausência de protagonismo municipal nesse processo não seria apenas uma afronta ao princípio da autonomia municipal, previsto no artigo 18 da Constituição Federal, mas representaria, na prática, a exclusão dos entes responsáveis diretos pela execução de mais de 60% das políticas públicas do País. Retirar os Municípios das instâncias de decisão seria enfraquecer a própria Federação e comprometer a legitimidade do novo sistema.
Além disso, a transição do ISS para o IBS deve observar regras claras, transparentes e graduais de compensação, evitando que os Municípios, que hoje têm no ISS uma de suas principais fontes de receita própria, sofram perdas abruptas e irreversíveis.
O risco de colapso financeiro local é real e incompatível com o dever constitucional de prestação contínua de serviços públicos.
Portanto, defendemos que a implementação do IBS seja acompanhada de mecanismos de redistribuição estáveis e de longo prazo, capazes de garantir equidade fiscal, previsibilidade orçamentária e segurança institucional, pilares sem os quais não se sustenta nem a gestão municipal, nem o próprio pacto federativo.
III.2 – PEC 25/2022 – AUMENTO DO FPM:
A Proposta de Emenda Constitucional nº 25/2022, que prevê a elevação de 1,5% na participação dos Municípios no Fundo de Participação dos Municípios (FPM), configura medida inadiável para o reequilíbrio do pacto federativo.
O FPM representa, para milhares de cidades brasileiras, em especial as de pequeno e médio porte, a principal fonte de receita corrente, constituindo verdadeiro alicerce da manutenção dos serviços públicos locais.
Entretanto, a persistente concentração tributária nas mãos da União e dos Estados, somada à contínua ampliação das responsabilidades administrativas impostas aos Municípios, converteu essa dependência em fator de fragilidade estrutural das finanças municipais.
O acréscimo de 1,5% não se resume a uma demanda setorial, mas traduz a necessária correção de uma distorção histórica no federalismo brasileiro. É condição essencial para que os Municípios disponham de recursos mínimos voltados à execução de políticas públicas fundamentais em áreas como saúde, educação, assistência social, habitação e infraestrutura urbana.
Sem esse reforço, corre-se o risco de esvaziar a autonomia municipal consagrada pela Constituição, comprometendo a efetividade dos direitos sociais.
Mais que simples incremento de receitas, a medida garante previsibilidade e estabilidade orçamentária, elementos indispensáveis ao planejamento de médio e longo prazo e à manutenção da confiança da sociedade na gestão pública local.
Defendemos a aprovação imediata da PEC 25/2022, que eleva em 1,5% a participação dos Municípios no Fundo de Participação dos Municípios. Essa medida corrige parcialmente a histórica concentração de receitas na União e representa reforço permanente ao caixa municipal, essencial sobretudo para cidades de pequeno porte.
III.3 – PEC 66/2023 – REPROGRAMAÇÃO DOS PRECATÓRIOS E REEQUILÍBRIO DAS FINANÇAS MUNICIPAIS
A Proposta de Emenda Constitucional nº 66/2023 configura-se como marco fundamental para a reorganização das finanças subnacionais, sobretudo dos Municípios, ao instituir novos parâmetros para o pagamento de precatórios, disciplinar o parcelamento de dívidas previdenciárias e redefinir a gestão de receitas vinculadas.
O passivo judicial acumulado por Estados e Municípios, muitas vezes superior à sua capacidade orçamentária, tem se consolidado como fator de estrangulamento das contas públicas, inviabilizando investimentos e comprometendo a execução de políticas sociais básicas. A PEC, ao estabelecer limites proporcionais da Receita Corrente Líquida para a quitação de precatórios, inaugura um regime de maior previsibilidade fiscal, ajustando a obrigação ao fluxo real de receitas e evitando o colapso das administrações locais.
Não se trata de desrespeitar decisões judiciais, mas sim de conciliar o dever de honrar os credores com a obrigação constitucional de garantir saúde, educação, saneamento, assistência social e infraestrutura à população. O mecanismo de escalonamento progressivo, previsto na proposta, traz racionalidade ao sistema, ao mesmo tempo em que assegura proteção jurídica aos credores mediante atualização monetária pelo IPCA e fixação de juros de mora compatíveis com a realidade fiscal.
Outro eixo central da PEC é o parcelamento excepcional de débitos previdenciários dos Municípios, tanto com seus Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) quanto com o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A possibilidade de quitação em até 300 parcelas, associada a condições diferenciadas de juros para os entes que demonstrem maior esforço de pagamento inicial, cria condições concretas para a regularização previdenciária, reduzindo o risco de colapso atuarial e permitindo que os Municípios recuperem sua capacidade de acessar transferências voluntárias da União.
Destaca-se, ainda, a desvinculação parcial de receitas municipais até 2032, garantindo maior flexibilidade orçamentária para que cada Município adapte suas políticas locais às demandas mais urgentes. Combinada ao aproveitamento de superávits financeiros para investimentos em saúde, educação e adaptação às mudanças climáticas, a medida fortalece a autonomia municipal e viabiliza respostas mais rápidas a desafios contemporâneos.
A APM compreende que a aprovação da PEC 66/2023 representará não apenas um alívio fiscal imediato, mas sobretudo a construção de um ambiente de maior segurança jurídica e responsabilidade social, no qual os Municípios poderão: (I) reequilibrar suas finanças, preservando a continuidade dos serviços públicos; (II) programar investimentos estruturantes de longo prazo; (III) promover a sustentabilidade previdenciária com regras exequíveis; (IV) ampliar sua capacidade de gestão diante de receitas até então excessivamente engessadas; e, (V) garantir a preservação dos direitos dos credores, em condições compatíveis com a realidade fiscal.
Assim, a APM reafirma seu compromisso de atuar junto ao Congresso Nacional pela aprovação da PEC 66/2023, convencida de que esta Emenda Constitucional não é apenas um instrumento de ajuste fiscal, mas uma medida de justiça federativa, essencial para o fortalecimento dos Municípios e para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira.
III.4 – AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO MUNICIPAL NA PARTILHA TRIBUTÁRIA:
Os Municípios brasileiros, embora representem a célula fundamental da Federação e estejam mais próximos do cidadão, permanecem subfinanciados em relação à imensa carga de atribuições que lhes são impostas. São os responsáveis diretos pela execução de mais de 60% das políticas públicas essenciais, desde a atenção básica em saúde, a educação infantil e fundamental, o transporte escolar, a assistência social e a segurança alimentar, até a manutenção da infraestrutura urbana, a gestão ambiental, a habitação e o saneamento básico. Essa atuação, no entanto, contrasta com a baixa participação municipal na distribuição das receitas nacionais.
Enquanto a União concentra aproximadamente 60% de toda a arrecadação tributária e os Estados se apropriam de outra fatia significativa, aos Municípios restam, em média, menos de 20% do bolo tributário.
Essa assimetria histórica é agravada pela sistemática transferência de responsabilidades por parte da União e dos Estados, sem a correspondente alocação de recursos, o que tem produzido um quadro de permanente desequilíbrio fiscal nas prefeituras. Tal realidade compromete a autonomia municipal, assegurada no art. 18 da Constituição Federal, e fragiliza a concretização dos direitos sociais previstos no art. 6º da Carta Magna.
A sobrevivência do pacto federativo exige, portanto, a revisão urgente dos critérios de partilha tributária. É imperioso assegurar aos Municípios uma participação mais justa, estável e previsível nas receitas nacionais, com mecanismos de redistribuição capazes de reduzir desigualdades regionais e oferecer segurança orçamentária às administrações locais. Sem essa correção estrutural, a Federação brasileira continuará marcada por uma contradição insolúvel: Municípios encarregados da maioria das políticas públicas, mas privados dos meios financeiros indispensáveis à sua execução.
Somente uma redistribuição equitativa permitirá que as cidades mantenham sua capacidade de investimento, promovam inovação administrativa e garantam à população serviços públicos de qualidade. O fortalecimento do municipalismo não é, assim, uma reivindicação corporativa, mas a própria condição de funcionamento da Federação, pois é no Município que o cidadão vive, trabalha e exerce sua cidadania. Uma Federação forte depende, necessariamente, de Municípios fortes.
IV – PAUTAS EXTRUTURANTES PARA A VIDA MUNICIPAL:
IV.1 – SAÚDE PÚBLICA MUNICIPAL:
A saúde constitui a dimensão mais sensível e perceptível da gestão municipal, pois é no Município que o cidadão busca atendimento imediato e contínuo. Contudo, as redes locais encontram-se sobrecarregadas por um subfinanciamento crônico, agravado pela crescente complexidade das demandas da população, que vão desde a atenção primária até serviços de média e alta complexidade.
Diante desse cenário, a Carta reafirma a necessidade de medidas estruturantes, entre as quais se destacam:
a) Financiamento adequado e estável da atenção básica, assegurando recursos proporcionais às responsabilidades assumidas pelos Municípios;
b) Expansão e fortalecimento da Estratégia de Saúde da Família, como modelo consolidado de prevenção, promoção da saúde e redução de desigualdades regionais;
c) Incorporação de tecnologias de inovação, a exemplo da telemedicina, do prontuário eletrônico nacional e de sistemas integrados de informação, para ampliar o acesso e dar maior eficiência à gestão; e,
d) Revisão urgente do Teto MAC e da tabela SUS, de modo a atualizar os valores defasados e garantir cobertura justa dos procedimentos realizados, evitando que os Municípios arquem sozinhos com custos incompatíveis com suas capacidades financeiras.
Essas medidas não configuram privilégios, mas sim a condição mínima para que os Municípios possam cumprir sua missão constitucional de garantir o direito fundamental à saúde, previsto no artigo 196 da Constituição Federal.
IV.2 – EDUCAÇÃO BÁSICA E COLABORAÇÃO FEDERATIVA:
A educação municipal deve ser compreendida como prioridade estratégica da Nação, pois é nas redes locais que se concretiza o direito fundamental à educação previsto no art. 205 da Constituição Federal. Para tanto, é indispensável assegurar:
a) Valorização do magistério, com o cumprimento efetivo do piso salarial nacional e políticas de formação continuada;
b) Garantia do transporte escolar rural e urbano, assegurando o acesso de todos os estudantes, independentemente da localização geográfica; e,
c) Fortalecimento da educação infantil e da alfabetização, como bases estruturantes para a aprendizagem ao longo de toda a vida escolar.
Destaca-se, nesse contexto, a relevância da colaboração federativa em matéria educacional. Iniciativas como o programa Alfabetiza Juntos SP e o uso de plataformas pedagógicas digitais comprovadamente contribuem para elevar a qualidade do ensino, refletida em indicadores como o IDEB e o Índice de Alfabetização.
Todavia, a plena efetividade desses programas encontra um obstáculo concreto: menos de 50% das escolas municipais dispõem de equipamentos de informática adequados para avaliações como o SARESP, o que limita a participação das redes locais e reduz o alcance dos investimentos já realizados.
Por essa razão, propomos que a Secretaria de Estado da Educação adote critérios objetivos e estratégias equitativas de distribuição de dispositivos tecnológicos, garantindo que todas as redes municipais possam usufruir das ferramentas disponibilizadas e, assim, ampliar de forma consistente os indicadores de qualidade da educação paulista.
IV.3 – DEFESA CIVIL, RESILIÊNCIA CLIMÁTICA E O PROTAGONISMO DOS MUNICÍPIOS NA COP 2025
Os Municípios brasileiros estão na linha de frente do enfrentamento a eventos climáticos extremos cada vez mais recorrentes, como enchentes, deslizamentos, queimadas e períodos prolongados de estiagem. Essas ocorrências, agravadas pelo aquecimento global, afetam diretamente a vida da população, desestruturam cadeias produtivas locais, expõem a fragilidade da infraestrutura urbana e rural e sobrecarregam as administrações municipais.
A realização da COP 2025 no Brasil confere ao país e, em especial às cidades, a responsabilidade e a oportunidade histórica de assumir protagonismo nas agendas globais de adaptação e resiliência climática. Esse é o momento de construir um pacto federativo que dê condições reais para que os Municípios transformem compromissos internacionais em ações locais, com impacto direto na qualidade de vida da população.
É indispensável evoluir de uma lógica meramente reativa para uma política de prevenção e resiliência, baseada em planejamento de longo prazo e na construção de capacidades locais. Para tanto, o primeiro passo consiste em assegurar financiamento estável e sustentável, por meio da criação de fundos específicos e linhas de crédito acessíveis aos Municípios.
Esses recursos devem contar com apoio de organismos multilaterais e de fundos climáticos internacionais, garantindo condições para estruturar brigadas municipais de Defesa Civil, recompor áreas de risco e proteger infraestruturas críticas, de modo a reduzir vulnerabilidades e ampliar a segurança das populações locais.
Além do financiamento, é essencial investir em inovação tecnológica e sistemas avançados de monitoramento, capazes de antecipar e mitigar desastres. A incorporação de ferramentas como sensoriamento remoto, modelagem climática e inteligência artificial permitirá aprimorar a previsão de riscos, a emissão de alertas precoces e a gestão integrada de ocorrências. Essa modernização, no entanto, só se tornará efetiva se acompanhada de programas permanentes de capacitação técnica para as equipes municipais, de modo a garantir uma resposta ágil, eficiente e tecnicamente qualificada diante de eventos extremos.
Por fim, torna-se imprescindível fortalecer o planejamento integrado e a cooperação federativa, de forma a alinhar ações de Municípios, Estados e União em protocolos claros e coordenados. A elaboração de planos de contingência locais e regionais deve estar articulada a estratégias nacionais, contemplando também a participação de universidades, centros de pesquisa e do setor privado.
Essa articulação ampliará a geração de soluções inovadoras e adaptadas à realidade de cada território, consolidando uma rede de resiliência capaz de enfrentar os impactos das mudanças climáticas com maior eficiência e solidariedade.
Somente com esse conjunto de medidas será possível reduzir riscos, salvar vidas, proteger o patrimônio público e privado, mitigar custos sociais e econômicos e reforçar a confiança da população nas instituições públicas.
A APM defende que a COP 2025 seja não apenas um espaço de debates, mas também um marco para a criação de mecanismos de financiamento climático acessíveis aos Municípios brasileiros, reconhecendo que é no território local que os efeitos das mudanças climáticas se materializam e que as soluções mais efetivas podem ser implementadas.
IV.4 – SANEAMENTO BÁSICO E UNIVERSALIZAÇÃO ATÉ 2033:
A universalização do saneamento básico, meta estabelecida pela Lei nº 14.026/2020, constitui um dos maiores desafios estruturais do País e condição essencial para a promoção da saúde pública, da dignidade humana e da sustentabilidade ambiental.
Embora seja uma responsabilidade compartilhada, os Municípios desempenham papel central na implementação das políticas locais, já que respondem diretamente pela coleta, tratamento e destinação de água e resíduos.
O cumprimento das metas até 2033, no entanto, depende de apoio técnico e financeiro efetivo por parte das demais esferas federativas, sem o qual muitas administrações locais estarão impossibilitadas de atender às exigências do marco legal.
A formação de consórcios públicos e soluções regionais deve ser incentivada como forma de ampliar escala, reduzir custos e garantir eficiência na prestação dos serviços. Paralelamente, é fundamental assegurar uma regulação justa que harmonize a sustentabilidade econômico-financeira dos contratos com o princípio da modicidade tarifária, evitando que o acesso universal venha acompanhado de tarifas incompatíveis com a realidade socioeconômica da população.
O saneamento básico, assim, transcende o âmbito das obras de infraestrutura: é um direito social e um pilar do desenvolvimento sustentável. Seu alcance até 2033 somente será viável mediante cooperação institucional, responsabilidade compartilhada e compromisso federativo.
IV.5 – SEGURANÇA PÚBLICA MUNICIPAL:
Embora a segurança pública não figure como competência originária dos Municípios, ela se consolidou como uma das demandas mais imediatas e sensíveis da população. Na prática, é às administrações locais que os cidadãos recorrem em busca de respostas para os problemas cotidianos de violência, o que tem levado os Municípios a assumirem papel cada vez mais ativo na área.
Nesse cenário, a tramitação da PEC 18/25 no Congresso Nacional exige especial atenção. A proposta, ao constitucionalizar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), ampliar as atribuições da União e da Polícia Federal, criar a Polícia Viária Federal e incluir as Guardas Municipais no rol de órgãos de segurança pública, impactará diretamente a vida das cidades.
Assim, é imprescindível que qualquer alteração constitucional seja feita com a ampla participação dos Municípios, que são os entes federativos mais próximos da população e que, consequentemente, arcarão com grande parte dos efeitos concretos da medida.
A valorização e a capacitação permanente das Guardas Municipais devem ser prioridades, acompanhadas da redefinição institucional dessas corporações sob a denominação de Polícia Municipal, em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que já reconheceu a natureza policial dessas forças. Para tanto, impõe-se a alteração do artigo 144 da Constituição Federal, garantindo que as Guardas Municipais possam exercer plenamente funções de policiamento ostensivo e comunitário, sempre em integração com as demais forças de segurança.
Entretanto, não basta apenas ampliar atribuições: é essencial assegurar sustentabilidade financeira para a segurança pública municipal.
A União e os Estados devem estabelecer metodologias claras, permanentes e previsíveis de repasse de recursos, de forma a permitir que os Municípios planejem e invistam adequadamente em equipamentos, tecnologia, infraestrutura e pessoal.
A constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional, prevista na PEC, é um avanço, mas deve vir acompanhada de mecanismos que garantam efetiva destinação de verbas às administrações locais.
Nesse contexto, é fundamental estimular projetos de modernização tecnológica e inovação aplicados à segurança. Experiências como o SMART SAMPA, desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, demonstram como a integração de câmeras de monitoramento, reconhecimento facial, ferramentas digitais de inteligência e sistemas de resposta rápida pode aumentar a eficiência da prevenção e do combate à criminalidade, elevando a sensação de segurança da população.
Modelos semelhantes já vêm sendo implementados em outras capitais e cidades médias do país, reforçando que a tecnologia deve ser reconhecida como instrumento essencial de política pública nessa área.
Por fim, é imprescindível consolidar uma política de prevenção social da violência, que integre a segurança pública a ações de saúde, educação, assistência social, esporte e cultura. A experiência cotidiana dos Municípios comprova que o enfrentamento da violência urbana não se faz apenas pela via repressiva, mas também pela redução das desigualdades, pelo fortalecimento das redes de proteção social e pela promoção de oportunidades para a juventude.
Assim, a APM defende que a discussão da PEC 18/25 seja conduzida com respeito à autonomia municipal, participação efetiva dos gestores locais e garantias de sustentabilidade financeira. Somente dessa forma será possível construir um modelo de segurança pública nacional que reconheça a realidade das cidades, valorize as Guardas Municipais, promova a integração federativa e assegure, de fato, maior proteção à população brasileira.
IV.6 – GOVERNO DIGITAL E PROTEÇÃO DE DADOS:
A modernização da gestão pública municipal é imperativa para assegurar eficiência administrativa, transparência e melhor prestação de serviços à população. Nesse sentido, a implantação de políticas de governo digital deve priorizar a interoperabilidade de sistemas, de modo a permitir que diferentes plataformas e órgãos dialoguem entre si, evitando sobreposição de esforços e reduzindo custos operacionais.
Também se mostra essencial o investimento em conectividade, especialmente para integrar os Municípios de menor porte e as regiões mais afastadas, garantindo acesso equitativo às ferramentas digitais.
Ao mesmo tempo, é indispensável o cumprimento rigoroso da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), com a devida capacitação de servidores em segurança digital, assegurando que a inovação tecnológica caminhe em paralelo com a proteção dos direitos fundamentais à privacidade e à segurança da informação.
A transição para o governo digital não deve ser vista como mera informatização de processos, mas como verdadeira transformação institucional, capaz de aproximar o cidadão do poder público e de consolidar um novo patamar de confiança nas relações entre Estado e sociedade.
IV.7 – DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, TURISMO E CULTURA:
O fortalecimento do desenvolvimento econômico local constitui uma das agendas mais relevantes para a sustentabilidade dos Municípios. Para dinamizar as economias regionais, torna-se necessário estimular a economia criativa e os arranjos produtivos locais, fomentando iniciativas inovadoras e valorizando o empreendedorismo comunitário.
O turismo regional deve ser tratado como vetor estratégico de geração de emprego e renda, com investimentos em infraestrutura, qualificação de mão de obra e promoção integrada dos destinos, valorizando tanto o patrimônio natural quanto o histórico-cultural.
A cultura, por sua vez, precisa ser reconhecida como elemento de identidade municipal e de coesão social, com políticas que garantam acesso democrático, apoio a artistas e agentes culturais, e a preservação do patrimônio imaterial e material das cidades.
O desenvolvimento econômico, o turismo e a cultura, articulados de forma sinérgica, fortalecem a autonomia municipal e contribuem para a criação de um ciclo virtuoso de crescimento sustentável, inclusão social e valorização da diversidade cultural paulista e brasileira.
IV.8 – SUSTENTABILIDADE E TRANSIÇÃO ENERGÉTICA:
A sustentabilidade deve ser compreendida como eixo estruturante das políticas públicas municipais, especialmente diante da emergência climática que já impõe custos humanos, sociais e econômicos elevados às cidades.
Os Municípios defendem a criação e ampliação de políticas voltadas ao uso do biometano e das energias renováveis, como solar e eólica, estimulando soluções descentralizadas, de baixo impacto ambiental e que garantam autonomia energética local.
No mesmo sentido, o transporte sustentável precisa ocupar lugar de destaque nas agendas municipais, com investimentos em mobilidade urbana de baixa emissão, integração intermodal, e incentivo ao uso de veículos elétricos e híbridos, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis, melhorando a qualidade do ar e contribuindo para a saúde pública.
Essas medidas, além de diminuírem a pegada de carbono, fortalecem a resiliência das cidades e as preparam para enfrentar os desafios ambientais do presente e do futuro, garantindo qualidade de vida às próximas gerações.
Contudo, a concretização dessa agenda enfrenta obstáculos que não podem ser ignorados.
Grande parte dos municípios paulistas encontra-se vinculada a concessionárias de energia elétrica, cujos serviços são prestados em regime de concessão federal, regulamentados e fiscalizados pela União. A experiência prática demonstra que muitas dessas empresas não têm oferecido atendimento compatível com as necessidades da população e da atividade econômica local, gerando ineficiências, interrupções constantes e elevados custos tarifários que recaem diretamente sobre os consumidores e sobre as administrações municipais.
Esse cenário evidencia a urgência de se rever o modelo atual de concessão e de ampliar a participação dos Municípios na governança do setor. Nesse sentido, destaca-se a importância do projeto de lei de autoria do deputado Baleia Rossi, que assegura aos Municípios voz ativa e poder de
decisão sobre as concessões de energia elétrica, bem como a prerrogativa de fiscalizar diretamente a qualidade e a continuidade dos serviços prestados em seus territórios.
Trata-se de medida coerente com o princípio constitucional da autonomia municipal, pois permite que os entes locais deixem de ser meros usuários passivos e passem a atuar como protagonistas na defesa do interesse público.
Apenas com essa descentralização regulatória e com a efetiva inclusão dos Municípios nas decisões estratégicas será possível alinhar as políticas de energia ao objetivo maior de construir uma agenda energética limpa, eficiente e inclusiva, que contribua de forma decisiva para o desenvolvimento sustentável de São Paulo e de todo o País.
IV.9 – HABITAÇÃO E REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA:
A habitação digna é direito social constitucionalmente assegurado e pressuposto de inclusão cidadã. Contudo, milhões de famílias ainda vivem em condições precárias ou em áreas sem regularização fundiária.
É indispensável ampliar programas habitacionais, priorizando famílias de baixa renda, e fortalecer a regularização fundiária, garantindo segurança jurídica, acesso a serviços básicos e inserção formal no espaço urbano. Essas medidas, além de reduzirem desigualdades, estimulam o desenvolvimento econômico e a valorização social dos territórios.
O enfrentamento do déficit habitacional e da irregularidade fundiária é, portanto, uma tarefa que deve ser compartilhada por todos os entes federativos, mas que se concretiza no cotidiano da gestão municipal.
IV.10 – CONSÓRCIOS PÚBLICOS E COMPRAS INTELIGENTES:
Os consórcios públicos são instrumentos de cooperação intermunicipal capazes de reduzir custos, ampliar a eficiência administrativa e permitir soluções regionais para problemas comuns. Sua utilização deve ser estimulada especialmente em áreas estratégicas como saúde, saneamento, meio ambiente e segurança pública.
Da mesma forma, as compras inteligentes, realizadas de forma planejada e consorciada, fortalecem o poder de negociação das prefeituras, geram economia de escala e reduzem riscos de sobrepreço ou ineficiência.
A Carta reafirma que o fortalecimento dos consórcios e a adoção de práticas modernas de compras públicas são caminhos seguros para promover a inovação, a transparência e a eficiência na gestão municipal.
IV.11 – CONTROLE E TRANSPARÊNCIA:
O fortalecimento dos mecanismos de controle social e institucional é essencial para consolidar a legitimidade das políticas públicas e garantir o uso responsável dos recursos.
Defende-se a valorização dos Tribunais de Contas, com maior integração às administrações municipais, a disseminação de boas práticas de gestão e o estímulo à inovação em governança, incorporando ferramentas digitais que ampliem a transparência e facilitem o acesso da sociedade às informações.
Controle e transparência não são apenas instrumentos de fiscalização, mas também pilares de confiança entre Estado e
sociedade, indispensáveis para que a democracia municipal se fortaleça e para que os cidadãos reconheçam no poder público um aliado legítimo no processo de desenvolvimento.
V – CONCLUSÃO:
A Carta de São Paulo, resultado do 67º Congresso Estadual de Municípios, é a expressão coletiva da voz municipalista, construída a partir da participação ativa de prefeitos, prefeitas, vereadores, vereadoras, secretários e secretárias municipais, gestores públicos, parlamentares e especialistas. Os debates realizados consolidaram diagnósticos precisos e formularam propostas concretas, capazes de traduzir em compromissos institucionais as necessidades reais das cidades paulistas.
Cada eixo aqui tratado, da reforma tributária à reprogramação dos precatórios; da valorização das Guardas Municipais e da consolidação da segurança pública local à universalização da saúde e da educação; do avanço na sustentabilidade e na transição energética ao fortalecimento da habitação, da regularização fundiária e do saneamento básico; da modernização tecnológica à ampliação da resiliência climática; da cooperação por meio dos consórcios intermunicipais ao aperfeiçoamento do controle social e da transparência compõe uma agenda abrangente, mas interligada por um mesmo fio condutor: a busca pela justiça federativa e pela consolidação da autonomia municipal como pilar da Federação.
A APM reafirma que a autonomia municipal não se esgota na defesa de competências formais, mas exige condições financeiras, institucionais e técnicas para que os Municípios possam exercer plenamente suas responsabilidades constitucionais e atender às expectativas da população.
Corrigir as distorções históricas que concentram recursos na União e nos Estados é condição indispensável para que as cidades ofereçam serviços públicos de qualidade, promovam inclusão social, impulsionem o desenvolvimento econômico e assegurem sustentabilidade ambiental.
Dentro desse horizonte, o municipalismo paulista assume como prioridade a consolidação de uma reforma tributária justa e federativa, que preserve a autonomia dos Municípios e lhes garanta participação efetiva nos fundos de compensação e desenvolvimento regional.
Defende também a reprogramação dos precatórios e a sustentabilidade previdenciária como medidas urgentes para assegurar previsibilidade fiscal e equilíbrio financeiro, evitando que os passivos comprometam os serviços essenciais. Na área de segurança pública, a Carta sustenta a necessidade de reconhecimento constitucional das Guardas Municipais como Polícias Municipais, aptas a exercer funções de policiamento ostensivo em cooperação com as demais forças de segurança, com garantias de financiamento estável e acesso direto aos fundos nacionais.
A saúde e a educação permanecem como direitos universais e prioritários, impondo-se a necessidade de financiamento adequado do SUS e do Fundeb, bem como a valorização dos profissionais que atuam na linha de frente, especialmente nos Municípios de menor porte. Da mesma forma, o fortalecimento da resiliência climática e do desenvolvimento sustentável exige que os Municípios sejam protagonistas da agenda global, sobretudo diante da realização da COP 2025 no Brasil, aproveitando esse momento para consolidar investimentos em defesa civil, inovação tecnológica e adaptação às mudanças climáticas.
O compromisso municipalista se estende ainda à universalização do saneamento, da habitação e da regularização fundiária, reconhecidos como direitos básicos e instrumentos de justiça social, além de pilares para a redução das desigualdades territoriais e para a construção de cidades mais inclusivas e ambientalmente responsáveis.
A modernização tecnológica surge, nesse contexto, como aliada estratégica, com experiências exitosas como o Smart Sampa e outros modelos semelhantes de integração digital, que demonstram o potencial de inovação aplicado à segurança, à arrecadação, à transparência e à melhoria dos serviços públicos.
Também merece destaque a valorização dos consórcios e da cooperação interfederativa, capazes de ampliar a eficiência administrativa e gerar escala na implementação de políticas públicas.
Esta Carta não se encerra em si mesma. É, ao mesmo tempo, um documento histórico e um instrumento político, destinado a orientar as ações dos gestores municipais, a subsidiar as decisões estratégicas da União e dos Estados e a convocar a sociedade brasileira a reconhecer que a força da Federação repousa na vitalidade de suas cidades.
Finalmente, a APM reafirma que o fortalecimento do municipalismo é condição indispensável para a construção de um Brasil mais justo, solidário, democrático e sustentável. Que esta Carta seja, portanto, um marco de unidade e mobilização, orientando o caminho para que o desenvolvimento, a dignidade humana e a cidadania plena se tornem realidade em cada Município paulista e brasileiro.
Atenciosamente,
FREDERICO GUIDONI SCARANELLO
Presidente da Associação Paulista de Municípios – APM