Transformação digital no setor público exige mais que tecnologia

Associação Paulista de Municípios

Transformação digital no setor público exige mais que tecnologia

27 de agosto de 2025

A transformação digital nos municípios brasileiros foi tema central de um painel que reuniu especialistas e gestores públicos durante o 67º Congresso Estadual dos Municípios. Mais do que investir em ferramentas tecnológicas, os participantes foram unânimes em destacar que a digitalização eficiente da máquina pública exige planejamento estratégico, capacitação de servidores, governança de dados, segurança jurídica e integração entre esferas de governo.

Com falas complementares, representantes da Prefeitura de São Paulo, Serpro, Prodesp e Sebrae-SP mostraram que o governo digital não é um fim em si, mas um meio de aproximar o cidadão do poder público, melhorar serviços e garantir transparência.

A experiência da capital paulista foi amplamente explorada como exemplo de como integrar inovação, cultura organizacional e inteligência de dados para gerar impacto real na vida das pessoas.

Para o controlador-geral do Município de São Paulo, Daniel Falcão, a transformação digital não é apenas uma questão tecnológica. Segundo ele, é necessário estruturar um ambiente institucional com governança eficaz, financiamento contínuo, segurança jurídica e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Ao relembrar sua chegada à Prefeitura de São Paulo há pouco mais de quatro anos, Falcão destacou que, embora houvesse uma controladoria sólida, não existia nenhuma política interna voltada à proteção de dados pessoais, que é uma exigência legal desde 2020.

“O controle interno bem estruturado não é inimigo do prefeito. É parceiro. Ele previne problemas, orienta decisões e fortalece a credibilidade dos programas públicos”, afirmou.

O representante da Prefeitura defendeu que as controladorias municipais precisam assumir protagonismo nesse processo, garantindo que as bases legais e operacionais da transformação estejam bem estabelecidas.

O diretor de Negócios, Governo e Mercado do Serpro, André Agatte, destacou que a transformação digital nas prefeituras precisa começar com um plano diretor de tecnologia. “Não adianta sair comprando tecnologia. É preciso planejar. Um bom plano define por onde começar, o que priorizar e como medir os resultados”, disse.

Com experiência na construção de 90% dos sistemas tecnológicos do Governo Federal, o Serpro se coloca como parceiro estratégico dos municípios, especialmente os menores, que enfrentam maiores dificuldades estruturais. A meta, segundo Agatte, é eliminar filas, balcões e cadastros duplicados, criando uma experiência digital eficiente, segura e centrada no cidadão.

Na mesma linha, o gerente da Unidade de Compliance do Sebrae, André Dias, reforçou a importância de dados de qualidade para o desenho de políticas públicas eficazes. Ele apontou como principal entrave à modernização a falta de integração entre os sistemas das prefeituras, o que gera desperdícios, retrabalho e falhas na proteção dos dados do cidadão.

O presidente da Prodesp, Gileno Barreto, enfatizou que a transformação digital nos governos é um processo irreversível e destacou o papel da empresa paulista como elo entre o governo estadual e os municípios, por meio de iniciativas como a plataforma Cidade SP.GOV.BR, que disponibiliza um portfólio de soluções prontas para ajudar prefeituras a iniciarem sua jornada digital.

Tecnologia como meio

O secretário-adjunto de Inovação e Tecnologia da cidade de São Paulo, Humberto de Alencar, apresentou os principais resultados alcançados pela capital paulista graças à articulação entre tecnologia, gestão e dados. Para ele, a governança digital precisa estar ancorada em inteligência, segurança e trabalho conjunto entre áreas e não apenas na aquisição de sistemas.

O principal exemplo foi o Portal 156, considerado o maior canal de relacionamento digital entre cidadão e prefeitura da América Latina. Com mais de 6 milhões de usuários cadastrados, 1,5 milhão de demandas ativas e mais de 10 milhões de solicitações registradas, a plataforma oferece cerca de 1.900 serviços, sendo 1.200 informativos e 700 digitais.

“O 156 é uma estrutura de inteligência cidadã. Traduz as dores da população em dados para a gestão pública, garantindo respostas com empatia e agilidade”, explicou Alencar. O portal, segundo ele, representa o novo paradigma do serviço público: proativo, simples, digital e acessível.

Além disso, São Paulo já adota tecnologias como inteligência artificial, blockchain e reconhecimento de imagem, sempre combinadas com linguagem cidadã, para facilitar a interação com a população.

Já a secretária municipal de Gestão de São Paulo, Marcela Arruda, destacou que a transformação digital de fato acontece quando o servidor público compreende a mudança e o cidadão percebe a diferença no serviço.

Com uma estrutura de mais de 132 mil funcionários públicos ativos, a cidade tem investido fortemente em gestão de pessoas orientada por dados, ferramentas digitais de RH e, principalmente, capacitação. Só em 2025, mais de 6 mil servidores foram treinados em inteligência artificial, inclusive em programas voltados à liderança feminina, em parceria com a Microsoft.

Entre as inovações apresentadas, destaca-se o “Amazon” público, um ambiente de compras simplificado onde servidores escolhem itens de uso comum (como materiais de escritório), fazem o pedido digitalmente e recebem os produtos em até uma semana — reduzindo drasticamente o tempo médio dos processos licitatórios.

Ela também compartilhou o uso de prontuário eletrônico na saúde do servidor, um sistema híbrido que combina atendimento por médicos da própria rede com prestadores externos, validados de forma segura via plataforma digital.

Marcela defendeu ainda o uso de linguagem simples como ferramenta de inclusão digital. “Se quem trabalha na Prefeitura não entende o que está fazendo, o cidadão também não vai entender. Governo digital começa pela formação dos nossos servidores”, frisou.