Para além da implantação do 5G, mudanças nas leis também podem acabar com os entraves para a expansão do 4G favorecendo o acesso e tornando a cidade mais competitiva.
A tecnologia 5G já é uma realidade em algumas capitais e deverá estar presente em todas, até o fim do ano. A previsão é de que até 2029, a cobertura já seja realidade em todo o país. A nova tecnologia vai garantir maior velocidade de conexão e menor latência, mas as Prefeituras não precisam aguardar até 2029, para tornar as suas cidades inteligentes e mais conectadas.
As operadoras vencedoras do Leilão assumiram inúmeros compromissos vinculantes (obrigações) que não se limitam à implantação da rede 5G, mas também a obrigações de levar a cobertura da rede 4G em Municípios, ou localidades com mais de 600 habitantes, onde ela não existir. O que significa, na prática, ampliar a conectividade na área rural, nas escolas públicas, nas rodovias, bem como instalar redes de fibra ótica com prazos bem definidos. O não cumprimento impõe sanções e multas para as operadoras. Para cumprir esta obrigatoriedade, as empresas terão que instalar mais torres e postes, ampliando as redes locais. A mesma infraestrutura será utilizada para a chegada do 5G em larga escala, nos próximos anos. Parte do cumprimento destas obrigações já iniciam no próximo ano.
A disseminação do 4G que hoje ainda não está presente em cerca de 7 mil localidades do país, incluindo a periferia das grandes cidades, afeta, sobretudo, a população mais pobre, que não está incluída.
Luciano Stutz, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel) e do Movimento Antene-se
“É ainda o 4G a ferramenta de inclusão digital e de desenvolvimento digital que dispomos. É o 4G que muda a vida das pessoas que estão nestes locais, que permite fazer aula on-line, o trabalho remoto. É o 4G que muda, hoje, a vida das pessoas”, afirma Luciano Stutz, presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações (Abrintel) e do Movimento Antene-se, criado por entidades de diversos setores para incentivar a atualização das leis de antenas.
Desde que começaram as ações para a atualização das leis municipais, várias cidades já se prepararam. Levantamento do Movimento ANTENE-SE, em agosto deste ano, apontava que 160 municípios aprovaram a reformulação de suas leis de antenas, adaptando-as à legislação federal. As populações dessas cidades, somadas, correspondem a mais de 30% da população brasileira.
As cidades paulistas lideravam o ranking em agosto, com 39 cidades com leis aprovadas. De acordo com o movimento, quase um terço dos brasileiros já vivem em cidades em que a regulamentação já está preparada para o 5G.
Mas é possível avançar mais e com isso antecipar os prazos da nova tecnologia. “Toda implantação de nova tecnologia no país, acabou por ter seus prazos antecipados. Se houver demanda o mercado antecipa”, lembra Stutz.
A necessidade de mudança nas leis municipais
Para garantir o seu protagonismo no processo, os Municípios precisam adequar suas normas urbanísticas e procedimentos de licenciamento às novas regras, com base na Lei 13.116, de 2015, e o Decreto 10.480, de 2021.
Mas as alterações nas Leis de Uso e Ocupação do Solo e os procedimentos simplificados de licenciamento para instalação das antenas podem se tornar uma tarefa difícil para os municípios, sobretudo para os menores.
Levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) aponta que 43% dos municípios brasileiros não tem qualquer legislação a respeito. Pelas novas regras, os municípios devem, além da simplificação dos procedimentos e da revisão das taxas tributárias, preparar os setores de fiscalização, os mecanismos de participação social e adequar, se for o caso, os Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano.
Para Karla França, analista em Planejamento Urbano e Habitação da CNM e doutora em Geografia pela Universidade de Brasília, os municípios são quem sofrem diretamente com as consequências políticas, administrativas, econômicas e sociais da baixa conectividade. “Os gestores municipais são cada vez mais demandados pela população, uma vez que a população vive no Município e seus pleitos são diretamente endereçados para a administração pública municipal”, afirma.
Para o movimento municipalista é fundamental uma agenda nacional de fortalecimento das capacidades técnicas e institucionais, com programas e modernização das estruturas municipais, além de uma política nacional de inclusão digital para os mais vulneráveis, que não possuem condições de acessar os serviços comerciais, e também para os Municípios com baixa capacidade administrativa, financeira e fiscal.
Silêncio Positivo
Com a sanção em julho da Lei 14.424/2022, a regulamentação da Lei 13.116/2015, realizada por meio do Decreto 10.480/2021, foi alterada. O Decreto já definia o prazo de 60 dias entre o pedido de instalação de antenas pelas empresas de telecomunicações e a autorização dos órgãos municipais. Mas este prazo muitas vezes não era cumprido e não havia uma normatização clara sobre como prosseguir, com a implantação. Com a nova lei, em caso de não manifestação do município no prazo, a Prefeitura fica obrigada a emitir uma licença precária. A normatização do “silêncio positivo” facilitará o licenciamento de antenas, que pode acontecer à revelia do município.
“Não significa que as empresas estão isentas de seguir as regras municipais. As prefeituras continuam a ter papel relevante. Podem fiscalizar, embargar, ou impedir a instalação caso as regras municipais sejam descumpridas”, afirma Stutz.
Significa dizer que se não houver alterações e as prefeituras fiscalizarem ,na prática pode acontecer que o 5G, em alguns lugares, sejam implantados somente na infraestrutura do 4G, nova ou existente. Como o 5G para funcionar de maneira tecnologicamente perfeita precisa de cinco vezes mais pontos de radiação do que o 4G, as cidades que não se adaptarem terão um 5G que não será de ótima qualidade.
Stutz avalia que algumas regras que funcionavam no passado, perderam a sua eficácia à luz da nova tecnologia, como a necessidade de licenciamento ambiental na instalação de antenas 5G. “Tem algum sentido fazer toda a regulamentação ambiental para a instalação de uma antena, do tamanho de duas caixas de sapato, em cima de uma banca de jornal na avenida de maior circulação numa cidade?”, indaga.
Ele, porém, defende a proposta padrão da Anatel onde o licenciamento ambiental deve ser mantido, de maneira integrada com a urbanística, onde haja área de preservação e proteção ambiental, ou para os casos em que haja supressão de vegetação.
Oportunidade de Inovação
Os municípios não precisam esperar a ativação do 5G para avançar no caminho de se tornarem Cidades Inteligentes ou ampliarem a conectividade, algo que está também relacionado aos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU.
Tão fundamental quanto a renovação das leis é o fato de os municípios criarem um ambiente receptivo à conectividade e estarem atentos às oportunidades já disponíveis.
São José dos Campos, por exemplo, não tem lei de antenas. Isso não impediu que a cidade fosse, durante anos, a primeira colocada no ranking de “Cidades Amigas da Internet”. A cidade criou um ambiente propício para a conectividade e diferente da maioria, considera toda a estrutura de suporte de telecomunicações como equipamento urbano e não como edificação.
“Algumas cidades que não tem leis específicas, tratam a implantação como obra. E exigem a licença de instalação de obras, alvará de construção e no final o habite-se. Mas, pergunto, como se faz o habite-se de uma torre de telecomunicação?”, afirma Stutz.
O caminho de criar uma nova legislação é o que vem sendo trilhado pelas cidades que buscam um futuro conectado. Mogi Mirim, que não tinha lei específica, fez uma lei importante em 2020 e criou a partir dela um ambiente favorável e hoje já colhe os frutos.
“A melhor lei é a lei que é boa para aquele município. O padrão é bom para iniciar o processo, mas é a discussão com cada Câmara, com cada Prefeito e com a sociedade é que fará nascer a melhor lei para aquele município. Tem cidade com vocação turística, com área de preservação ambiental… Cada caso tem que ser um caso”, explica Stutz.
Cidades buscam soluções diferentes
A cidade de Santo André, foi pioneira no Estado a aprovar uma legislação que se tornou referência no país. Com a lei aprovada em 2019, a cidade largou na frente no processo de adequação dos municípios para o recebimento da nova tecnologia. Mas não apenas isto. A cidade ofereceu os próprios municipais para a colocação das antenas. Com isto, a cidade terá melhor conectividade e o sinal poderá chegar a lugares mais remotos. As empresas remuneram pela instalação, mas na cidade, ao invés de pagar pelo espaço, as empresas terão que ampliar o alcance em áreas onde não haja interesse comercial.
Para o município, resta claro que o desenvolvimento de atividades ligadas aos serviços, comércio, indústria e agro, se esses setores estiverem intimamente ligados às questões da tecnologia e da inovação. E o 5G é o fio condutor destas novas tecnologias para estes setores.
Na região do chamado Circuito das Águas, as cidades de Águas de Lindoia, Amparo, Holambra, Jaguariúna, Lindoia, Monte Alegre do Sul, Serra Negra e Socorro atualizaram suas leis em conjunto e estão preparadas para receber os investimentos na infraestrutura do 5G. A iniciativa foi feita com o apoio da InvestSP, a Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade, dentro do programa Conecta SP, que prevê uma série de ações para acelerar a chegada da tecnologia.
O último ranking Connected Smart Cities 2021, promovido pela consultoria Urban Systems, divulgado em setembro do ano passado, trouxe a cidade de Jaguariúna, como a cidade mais inteligente do Brasil, na faixa populacional de 50 a 100 mil habitantes. A cidade também está na 19° posição geral e a 10° no recorte da região Sudeste.
Jaguariúna se destaca pela implementação de projetos e ferramentas que têm como base o uso da tecnologia. Entre essas ações estão o uso de aplicativos, como o Buzão na Palma da Mão, o Cidadão Online e o CCC Jaguariúna, além dos serviços online disponíveis no portal da Prefeitura de Jaguariúna, que facilitam a vida do cidadão, reduzindo a burocracia. Nenhuma destas ações tem relação com o 5G.
Mas a cidade já fez sua lição de casa: desde 2021 já tem lei aprovada possibilitando a chegada do 5G.
“A atualização das leis de antenas elimina barreiras para a expansão da infraestrutura de telecomunicações e, a partir da oferta dessa rede mais ampla, é possível conectar mais pessoas com novos serviços e implementar a Internet da Coisas (IoT), que hoje já viabiliza inúmeras soluções para as cidades”, explica Stutz. Como “coisas” entende-se qualquer objeto com eletrônica incorporada, capaz de trocar dados por uma rede, receber e enviar comandos a serem executados por uma máquina ou processo, sem a necessidade de interação humana.
De medição remota e digital de água, luz e gás (gerando economia nos custos de prestação dos serviços) à gestão de semáforos; iluminação pública; fluxo de veículos, estacionamento; resíduos sólidos, ou monitoramento de risco de inundação e enchentes, há uma gama de serviços à disposição dos municípios, antes mesmo da implantação do 5G.