Crise nas Finanças Municipais: Déficits Disparam e Cenário Preocupa

Levantamento feito pela CNM aponta que 2.362 cidades registraram déficit primário nos primeiros seis meses de 2023. Destas, 260 estão no Estado de São Paulo. No ano passado eram apenas 31 cidades paulistas.

Um quadro fiscal alarmante está se desenhando nos municípios brasileiros e as cidades paulistas estão no mesmo patamar com a situação financeira dos municípios se deteriorando rapidamente. Um levantamento recente realizado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) revela que nos primeiros seis meses de 2023, um total de 2.362 cidades registrou déficit primário, um aumento significativo em relação ao ano anterior. Dentre essas, 260 são municípios paulistas, contrastando com apenas 31 que enfrentavam tal situação em 2022.

O estudo da CNM, entregue aos deputados federais durante a última mobilização de prefeitos em Brasília, soa como um alerta vermelho para as finanças municipais. Os números são impressionantes: 51% dos 4.616 municípios que disponibilizaram informações no sistema integrado mantido pelo Tesouro Nacional registraram déficit primário no primeiro semestre de 2023, em contraste com os 7% (342 municípios) no mesmo período do ano anterior. No Estado de São Paulo, 260 municípios gastaram mais do que arrecadaram, o que equivale a 47% das cidades que enviaram informações, em comparação com os 6% (31 municípios) no ano anterior.

As razões por trás desse quadro preocupante são variadas. O estudo da CNM destaca quedas significativas em receitas importantes, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), juntamente com atrasos em emendas parlamentares federais. Além disso, as despesas com pessoal, custeio e investimentos aumentaram.

Embora o FPM, principal receita para a maioria dos municípios do país, sobretudo os menores, tenha registrado crescimento no primeiro semestre, já estão surgindo preocupações devido à queda em julho e agosto, devido ao aumento das restituições e à diminuição do Imposto de Renda (IR).

O ICMS também tem sido um fator de pressão, com uma queda de cerca de 4,5% em todo o país desde o ano passado, chegando a 6% no Estado de São Paulo. Nas cidades paulistas, essa redução é agravada pela diminuição das emendas de custeio no primeiro semestre de 2023 em comparação com o ano anterior, com uma queda de aproximadamente 57%.

As despesas com pessoal também estão em alta em São Paulo, e essa situação pode se agravar ainda mais com a possível inclusão dos gastos com pessoal das Organizações Sociais (OS) nos limites de gasto de pessoal. Isso poderia resultar na ultrapassagem dos limites de gastos de pessoal, levando à rejeição de contas, multas e inelegibilidade dos prefeitos. Dados da CNM de 2019 revelam que 79,7% dos municípios não teriam condições financeiras nem servidores do quadro para atender às demandas, o que levanta sérias preocupações quanto à oferta de serviços públicos.

Outro tópico que gera inquietação nos municípios são os reajustes concedidos com base nos pisos salariais do magistério e na parcela adicional (insalubridade e encargos) dos agentes comunitários de saúde e de endemias. Apenas o piso do magistério teve um aumento de 53% devido aos reajustes concedidos em 2022 (33,24%) e 2023 (14,95%). O impacto desses dois reajustes, que não possuem respaldo legal, pode comprometer quase R$ 50 bilhões dos municípios até o final do ano. Entre 2009 e 2023, o piso do magistério aumentou 365,3% acima da inflação, 136,4% acima do salário mínimo e 256,7% acima da receita do Fundeb.

Na área da saúde, os municípios enfrentam um enorme represamento de cirurgias e procedimentos ambulatoriais, para os quais seriam necessários R$ 17,3 bilhões para solucionar o problema. Na assistência social, o governo federal deixou de repassar ao longo dos anos de 2014 a 2022 o valor de R$ 7,6 bilhões para o Sistema Único de Assistência Social (Suas), um valor que, corrigido pela inflação, chega a R$ 9 bilhões.

Além disso, mais de 5 mil obras públicas encontram-se paradas ou abandonadas devido à falta de recursos da União em todo o país. Os municípios que conseguiram concluir essas obras tiveram que arcar com mais de R$ 7 bilhões de recursos próprios e agora aguardam ansiosamente pelo repasse federal. A defasagem em mais de 200 programas federais chega a 100%. O estudo também revela que o contingenciamento no orçamento-geral da União em 2023 é de R$ 3,3 bilhões, e os atrasos nos repasses dos royalties minerais e de petróleo só agravam a crise.

Uma PEC já em tramitação visa ampliar o volume de recursos destinados ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que hoje recebe 25,5% das receitas do governo federal com IR e IPI. A proposta é adicionar mais um repasse extra de 1,5% a ser pago em março de cada ano, estimando-se que isso possa injetar R$ 11,1 bilhões adicionais nos cofres municipais, ao custo de perdas de receitas para a União.

Outra fonte de auxílio está no Projeto de Lei Complementar 94/2023, que prevê a compensação de perdas no ICMS. A CNM alega que esse projeto, ao reconhecer o acordo homologado no STF entre a União e os governadores, permitirá o envio de recursos financeiros aos municípios na ordem de mais de R$ 6,5 bilhões relativos aos 25% da quota-parte, e até R$ 69,4 milhões para o Rio Grande do Norte até 2025.

Além disso, os municípios aguardam recursos de royalties há uma década, desde a aprovação da Lei 12.734/2012, que reformulou a distribuição das receitas de royalties e participação especial de petróleo. Isso inclui o julgamento em plenário da ADI 4.917. Se essa lei estivesse em vigor desde meados de 2013, os municípios teriam recebido através do Fundo Especial de Petróleo (FEP), distribuído via FPM, a soma de R$ 93 bilhões, ou seja, R$ 77 bilhões a mais do que receberam sob as regras antigas.

A CNM enfatiza que o cenário observado no primeiro semestre, marcado pelo baixo crescimento da receita de transferências, pode apresentar alguma melhora na segunda metade de 2023 por dois motivos. Primeiro, uma parte substancial das emendas não pagas, especialmente na área de saúde, deverá ser liberada até o final do ano devido à sua natureza impositiva. Isso implica que a arrecadação dessas modalidades de transferências deve expandir no segundo semestre. Em segundo lugar, há expectativas de um aumento nas cota-parte do ICMS, uma vez que, neste ano, os Estados aumentaram as alíquotas modais do ICMS.

Enquanto as alíquotas no segundo semestre de 2022 variavam entre 17% e 18%, espera-se um aumento nos repasses da cota-parte. Adicionalmente, o governo federal já começou a compensar os Estados e o Distrito Federal pelas perdas de arrecadação ocorridas entre julho e dezembro de 2022, decorrentes da aprovação da LC 194/2022.

A íntegra do estudo pode ser acessada neste link. A crise nas finanças municipais é um desafio complexo que requer esforços coordenados entre os governos federal, estaduais e municipais para evitar um agravamento da situação e garantir a continuidade dos serviços essenciais para a população.